Pensamento

A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.

António Lobo Antunes

 

De lado nenhum de Júlia Navarro (****), romance, mais um, sobre um conflito que arrasta e perpetua, sem fim à vista, sem vencedores nem vencidos, só sofrimento, medo e morte. O conflito, a guerra, israelo-palestiniana/libanesa, é um gerador de histórias incontáveis, esta é uma parte de um conflito interior emtre várias personagens dos diferentes lados da barreira, o radicalismo irracional provocado pela bárbarie intencional por um lado, por outro, o viver, tentativa de conviver no consciente das aitudes tomadas, fazendo emocionalmente e no terreno todos os actos para obviar a uma solução pior do que aquela que a originou e assistiu. Todos perdem, o radical jihadista e sua família, o judeu que falhou todas as acções para apagar o impossível e as vítimas externas ao problema, ao conflito, que são inocentemente apanhadas entre dois fogos que não se apagam, mas que se atiçam. Romance carregado de emoções.

Narciso e Goldmund de Herman Hesse (*****), o que dizer sobre este livro? Que é um livro bonito, carregado de espiritualidade, o confronto cheio de amor, amizade, admiração, respeito, pensamentos, religiosidade, entre dois jovens com vontades inicialmente idênticas, uma vida recatada e monástica num convento, só que um, Narciso, por abnegação e votos, outro impelido pelo pai para expurgar os seus pecados e os eventualmente cometidos pela sua mãe desaparecida, Goldmund. Este, incentivado até pelo primeiro, acaba por partir pelo mundo, numa aventura cheia de experiências amorosas, perigos, frio, fome, morte, pestes, esteve à beira da forca, sendo salvo exactamente pelo já abade Narciso, seu protector no mundo enviesado por onde seguiu por vontade própria, o seu caminho repleto de escolhos, descobrindo novos misteres, gentes, sendo feliz, mas terminando envelhecido pelas tormentas passadas já após o seu regresso ao convento. Morreu onde e junto de quem queria e com quem manteve uma ligação espiritual e de amizade gigantesca, os diálogos entre estas duas personagens criadas por Hesse, são um hino filosófico.

Pensamento

O louco não é o homem que perdeu o juízo. Mas sim o homem cujo juízo suplantou tudo o resto.

João Tordo

Gente Ansiosa de Fredrik Backman (****), uma descrição ligeira e cheia de humor de uma situação caricata. Uma "inocente" tentativa de assalto a um banco que acaba numa idiota tomada de reféns que visitavam um apartamento para uma possível compra. Uma sequência de diálogos e inquirições que identificam um determinado conjunto de caracteres interessantes e que não encaixam inicialmente, mas que, motivam um encontro de emoções deveras comovente.

Tudo é possível de Elisabeth Strout (****), Um livro na linha do que é expectável nesta autora. Um conjunto de descrições, um mosaico de debilidades e paixões humanas. O cruzamento de variadas personagens, com realidades diferentes, conhecidas, muitas delas, na infância e que a vida vai afastando umas das outras. Uma obra de delicada sensibilidade, como o comportamento entre mundos diferentes se relaciona.

Siddhartha de Hermann Hessse (******), belo demais, para pensar, reflectir, meditar sobre a cruzada terrena do ser humano perante as coisas, palavras, doutrinas, saberes, experiências. Um pensamento de se dar ao mundo, de tentar perceber o que temos à nossa volta e que nos transmite algo para ajuizarmos, seguirmos ou não - só experienciando tudo, se pode tirar conclusões. O saber não se partilha, os conhecimentos, "muletas", esses podemos partilhar. A sabedoria vive-se mas não a comunicamos como a adquirimos. Passos de Buda, pensar, esperar, jejuar.

Pensamento

A pior das loucuras é, sem dúvida, pretender ser sensato num mundo de doidos.

Erasmo de Roterdão

Linha da Frente de Arturo Perez-Reverte (*****), um notável livro sobre a guerra civil espanhola, contada de modo imparcial, muito humano, virado sobretudo para os sentimentos que os militares de ambos os lados sentiram, sofreram, a maioria deles, jovens, os veteranos tinham vinte anos ou pouco mais, separados das famílias, muitos deles recrutados à força, as lutas fraticidas a que se sujeitaram, que o autor descreve de uma maneira nua e crua, até dá para ver como se imagens se tratassem. A coragem, a bravura dos que lutaram, muitos deles sem saber as verdadeiras motivações de tanta brutalidade entre "irmãos", de tanta carne e sangue despedaçado e espalhado, no seu país, na sua casa. Por outro lado, os falangistas do lado nacionalista, e os comissários políticos comunistas enviados por um estalinismo inominável, para enviar carne para canhão. Não havia maneira de fugir a um destino, que só muito poucos o conseguiram, e com que marcas."Uma cinzenta melancolia pelo que lhes foi negado". Nasceram, cresceram e morreram.....sem viver.

 

Apontar é Feio de Joana Marques (*****), humor, sarcasmo, crítica sagaz, todas elas constantemente presentes em diversos capítulos. Basicamente escrito durante o confinamento derivado da interminável pandemia, com diversos temas a serem brilhantemente focados, desde acções de entidades, pessoas, comparações, jogo de palavras que nos deixam sempre com um sorriso nos lábios, a maneira como a Joana escreve deixa-nos muitas vezes a pensar, mas é ou foi isto mesmo que acontece ou aconteceu, mas sempre referido em simultâneo com um humor inteligente e corrosivo.