Copo de Cólera de Raduan Nassar (*****), literalmente lido num sopro este romance/novela, excitante, delirante, violento, erótico e feroz. A paixão sensual, da união quente dos corpos à cólera desenfreada numa discussão dura, com uma verborreia violenta, vomitada, onde existe uma forte componente política, e que atinge proporções de uma agressividade extrema só justificada pela paixão carnal dos intervenientes, uma paixão vibrante que faz expulsar lá de dentro os demónios mal dominados ou por dominar. Paixão, insultos cruéis, depressão, fuga e regresso. De referir que a linguagem utilizada é um culto à língua portuguesa.

Germinal de Émile Zola (*****), a masterpiece de Zola. A vida de um operário parisiense despedido pelas suas ideias políticas e que só encontra trabalho nas minas de Montsou, localidade setentrional de França. A história de idílio trágico, a mina invadida pelas águas precedida de uma greve histórica, prolongada e que também terminou em tragédia, o assassinato de um rival, as lutas e os dramas que surgem nas galerias subterrâneas, autênticos estreiros intestinos da terra, onde se cruzam homens, mulheres e mesmo crianças em condições infra-humanas. Um romance que é....uma epopeia. Uma forte, fria e dolorosa descrição das diferenças sociais que resultam numa luta por um "naco de pão".

Pensamento

Existe uma lenda acerca de um pássaro que só canta uma vez na vida, com mais suavidade que qualquer outra criatura sobre a Terra.

Colleen McCullough

 

Mulherzinhas de Louisa May Alcott (****), livro de uma evidente ternura. Quatro irmãs, Meg, Jo, Beth e Amy, que vivem com mãe e uma ama (Hannah), passam o tempo numa constante aprendizagem, cada uma com os seus gostos, crenças, hobies e desejos. Muito amigas e próximas, situação mais óbvia quando se zangavam e retomavam as relações num ápice, dado o magnetismo e cumplicidade existentes. Com a presença da fé e a figura tutelar e equilibrada da mãe, o pai amado estava ausente na guerra, juntando-se com carinho e euforia no fim do conto, prosseguem o seu caminho, sendo cada capítulo, uma lição. Assim, estamos perante umas páginas encantadoras, juvenis, intemporais, onde a família e a amizade, aqui representadas pelo vizinhos Laurence, Laurie e John Brooke, rodeiam literalmente este livro.

O Coração das Trevas de Joseph Conrad (****), uma literal viagem ao coração das trevas em sentido figurado, uma viagem ao mundo do inexpugnável coração do isolamento, da selva e de tudo a que rodeia, os segredos, os silêncios, os arrepiantes ruídos, à alma do mais recôndito. «Creio que teria provocado um motim se tivesse acreditado nos meus olhos. Mas a princípio não acreditei: aquilo parecia tão impossível. A verdade é que fiquei com os nervos desfeitos por um medo completamente sem expressão, por um puro e abstracto terror, sem relação com qualquer forma distinta de perigo real.»,...cito. Um Apocalipse Now em livro, a procura e resgaste falhado de um ser embriagado pela solidão inquieta.

Pensamento

A vida pode ser curta, mas demora uma eternidade.

Paraíso de Abdulrazak Gurnah (*****), descrição do «modus vivendi» na África Oriental em meados do séc. XX, uma ficção histórica e literatura de viagens com encontros entre povos de variadas origens, muitos desses encontros foram revestidos de hostilidade dos habitantes das várias aldeias isoladas, pobres, por onde a caravana de comerciantes, liderada por um homem de grande sobriedade, Aziz, que lançava jovens na aventura de lidar, enquanto escravos, com as vicissitudes próprias de uma ambiente extremamente selvagem e perigoso. As feridas vivas de um continente ainda virgem em vias de ser colonizado. O destino recorrente de África. O diálogo entre duas personagens "protegidas" por Aziz, levam-nos a imaginar de modo dramático mas paradoxalmente belo, o sentimento presente, de dor, abandono e orfandade.

Em Busca de uma Reino de Laurence Bergreen (*****), uma magnífica descrição histórica do reinado de Isabel I de Inglaterra, quando esse reino passou do isolamento, endividamento, desacreditação para o esplendor. Isabel, a rainha "virgem", solteira (situação inédita), "casada" com a Inglaterra, fez florescer um reino oficialmente protestante, ela era considerada hereje por Roma e excomungada, mas tolerante perante quem professava o catolicismo. Este livro foca-se no papel preponderante e incontornável de Francis Drake, cuja aliança e cumplicidade discreta e secreta com a rainha tornaram possível o virar de página da grande ilha do norte da Europa. Drake, moralmente dúbio, evoluiu de esclavagista, tarefa que passou a detestar, para pirata da monarquia, papel que desempenhou com agrado e vaidade. Sem ser malicioso e cruel, era despreocupado, inabalável na lealdade à sua rainha. Um capitão, depois cavaleiro, amado por uns, odiado por outros, mas indubitalvelmente, decisivo no rumo da História. Pontos altos, a circum-navegação donde, recorrendo à pirataria exercida sobre os espanhóis, trouxe a riqueza e independência económica ao reino inglês e a estrondosa e mais que improvável vitória esmagadora sobre a armada invencível de Fillipe II de Espanha, o símbolo do catolicismo.

A Rapariga A de Abigail Dean (*****), um thriller na verdadeira acepção da palavra sobre um drama humano que, infelizmente, se vem passando e até multiplicando, pelo menos ao nível mediático no mundo, antes era escondido, a opressão, tortura, reclusão, abandono que muitos pais e tutores exercem sobre seus filhos em nome de uma obsessiva crença em algo que os leva a supor que a sociedade cria um suposto demónio que, por sua vez,  criaria na mente das vítimas indefesas e, elas crentes que os pais lhes quererão o melhor, são enleadas, alienadas e acorrentadas num crime hediondo. A ausência de acesso ao exterior, o medo, os maus tratos constantes a que são sujeitos, levam inevitavelmente à vontade de fuga, que nem sempre acontece com sucessso. Neste caso, uma das crianças, Lex, consegue fazê-lo e expôe ao mundo a casa dos horrores. O outro lado da história, neste caso muito bem relatado, é o trauma consequente e como cada uma das vítimas lida com ele ao longo do tempo, nem todas as crianças sobreviveram.

Pensamento

Será que as árvores estarão apaixonadas pelo vento, pois sempre que ele passa por elas, elas tremem e se arrepiam.

Baiôa sem data para morrer de Rui Couceiro (*****), tema central do romance, uma aldeia no Alentejo profundo, uma personagem, Baiôa, que cuida, renova, anima um local onde convivem pessoas idosas, muito isoladas. Entretanto chega o narrador desta comovente, real e igual a muitas outras histórias passadas em locais recônditos, pobres, esquecidos, onde envelhecimento é "rei", vítimas do afastamento das grandes urbes. Um jovem de Lisboa que vai para casa dos pais, nessas aldeia, entretanto reabilitada. Dessa vivência, nasce, cresce uma empatia, amizade até, que faz com que nos transmita numa descrição, sem paralelo, ímpar da vida de uma aldeia, com as virtudes, amores, desamores, pecados, mortes, suicídios, definhamento de uma vida culturalmente rica em humanidade mesmo com desavenças pontuais. A morte humana e física do local produz uma emoção dolorosa mas simultaneamente enriquecedora.

Shuggie Bain de Douglas Stuart (*****), um hino ao amor desprendido de um filho pela sua mãe que, após uma infância onde a abundância não teve lugar, onde a sua vida amorosa foi um desastre, entregando-se, estragando-se e envelhecendo de dia para dia tentando nunca perder a sua pose de vencedora inevitável. Sem poiso certo, no meio de uma negra e longa crise na Escócia, nomeadamente em Glasgow e arrabaldes, no tempo em que as minas fecharam sucessiva e imparavelmente, entregou-se ao vício, também ele imparável, do álcool que acabou por a matar, sem antes perder os seus filhos mais velhos, perante uma vida que lhe virou as costas e onde ela ebriamente nunca encontrou o norte. Só o seu Shuggie que, nunca dela, Agnes, desistiu contra tudo e contra todos. Uma triste, ternurenta e emocionante história de entrega no meio da ruptura da vida. "Uma história comovente sobre o heroísmo e os limites do amor."