A Promessa de Damon Galgut (*****+), portentoso livro que fala contra a impiedade da história sul africana, é sem dúvida, um drama épico. A vida de uma família de brancos que vive com dureza interior e sofrida, as mudanças que têm lugar na África do Sul. O fim do regime do apartheid e o início de um novo ciclo, uma aprendizagem dolorosa mas, definitivamente justa e que, abre uma porta de esperança a uma nação. Isto tudo contado de modo corajoso, mostrando de forma magistral a tensão de uma família, transformando em meditação todo o seu enredo. Promessa, porque é à volta de uma promessa sempre adiada que essa família fez a uma criada e que só no fim é cumprida por um dos três irmãos que compoêm, preenchem e enriquecem este genial romance. Astrid, a do meio, infeliz nos relacionamentos com casos extra-conjugais, acabando por ser morta na sequência de um assalto, Anton, o mais velho que acaba por tomar conta da velha quinta dos pais até se suicidar quando se apercebe que a sua vida perdeu o que nunca chegou a ter, sentido. E finalmente, Amor, a menos compreendida, que acabar por se afastar, regressando sempre para as despedidas fúnebres e finalmente para cumprir a promessa perante Salomé. A única que sobrevive, e que carregará nos ombros um passado de uma família destroçada, rumo a um futuro incerto.

A Submissa de Fiodor Dostoievski (*****), não há escritores que escrevem da mesma maneira que outros, mas como Dostoievski, não há igual. Junto no mesmo livro, humor, sarcasmo, atitudes de humildade, vergonha, arrependimento, autocrítica, decepção, fraqueza, vingança....enfim um sem número de características humanas que deliciam quem lê um livro deste autor. Neste livro, em particular, o personagem crucial, tem a psicologia de um ressentido contra a sociedade, o qu e o levou a transformar o amor que sentia pela mulher submissa, em tirania, matando o próprio amor, levando-o ao suicídio.

Pensamento

É tão difícil encontrar pessoas assim bonitas, é tão difícil encontrar pessoas assim pessoas.

Sementes Mágicas de V S Naipul (*****), livro imensamento interessante sobre a procura incessante do "Eu", as minhas origens, o meu percurso, onde posso ser mais útil, a que mundo pertenço!? Em linguagem corrente, quem sou, o que faço aqui....no nosso caminho ao longo da vida, encontramos luz e escuridão, nem sempre a escolha é a acertada. Um constante desconforto. No fim e talvez inesperadamente, chega o entendimento daquilo que poderá, finalmente, libertar o seu verdadeiro eu. "As tais sementes mágicas".

Diz-me quem sou de Júlia Navarro (****), uma epopeia narrativa sobre uma mulher multifacetada, corajosa, determinada, com uma força indomável. Suportou as maiores vicissitudes que se podem imaginar, cometeu erros que lhe marcaram a vida indelevelmente, muitas das suas acções, levadas a cabo por precipitação, não medindo as consequências dos seus actos. São tantos os episódios que se prolongam desdes os primórdios da guerra civil espanhola até ao desmantelar do muro de Berlim. Amélia de seu nome, personificou uma das muitas mulheres heroínas, resistentes, que levaram os seus familiares a solicitar ao bisneto para desvendar o passado de alguém que já tinha perdido a memória, e o que mais queria, era através da escrita, descobrir quem era, quem tinha sido. um livro algo repetitivo, mas enorme.

Pernsamento

Por vezes a palavra representa um modo mais acertado de se calar do que o silêncio.

Simone de Beauvoir

Véspera de Carla Madeira (*****+), um livro de outro mundo, uma história mundana, muitas vezes repetida, muitas vezes vivida, com sofrimento, com muito estômago, até o sofrimento superar o exequível, até um murro colocar o estômago KO, personagens que nos marcam pela realidade que vivemos e que nos tornam diferentes e nos fazem agir de modo humano, por vezes humanamente incompreensível, mas emocionalmente compreensível. Gente como aquela que nos enche de comunhão algures ao longo do tempo, no decorrer da nossa vida.

Vidas Seguintes de Abdulrazak Gurnah (*****), um hino à literatura, um romance delicioso que une indelevelmente a história passada durante o final da primeira guerra mundial e a década de cinquenta do séc.XX, na África ocidental, região do corno de África, e o amor sempre presente, vivido em situações de grande penúria mas também de alegria, devido ao espírito empreendedor e a um conjunto de acontecimentos que nos conduzem no sentido de seguir a vida de duas famílias que farão a ponte entre os continentes africano e europeu, tudo relacionado com as contantes ocupações coloniais, nomeadamente, a alemã e a britânica. A História trágica de um enorme continente que sempre sofreu com o legado colonial e com as atrocidades da guerra, não conhecendo uma paz efectiva. Fica uma mensagem, existe sempre alguém, algures, que nos procura.

Pensamento

O tempo faz com o corpo o que a ignorância faz com a alma, apodrece.

Carlos Ruiz Zafón

Mulheres que não Perdoam de Camilla Lackberg (****), simples, directa, assertiva, Camilla, aborda um tema actual que fustiga a humanidade, sem escolher raça, género, religião, condição social, um dos cancros da sociedade, a violência doméstica. Para isso, e muito bem ao seu estilo, inventa uma trama em que três mulheres são vítimas de maus tratos físicos e psicológicos graves, recorrentes e prolongados, por parte dos seus maridos. Através da internet, sem se verem pessoalmente, encaram e levam a cabo a vingança, pondo termo a tal situação de modo definitvo e letal. Um problema que dificilmente terminará, mas para o qual urge tomar medidas que mitiguem as dores causadas a dezenas de milhares de pessoas, sobretudo mulheres,em todo o mundo.

A Besta Humana de Émile Zola (*****), sem dúvida será uma das melhores obras saídas da pena de Zola, a história de vários crimes, um drama misterioso e abominável. Uma sequência de crimes hediondos praticados por razões perfeitamente irreais, o pior do ser humano a vir ao de cima em situações inesperadas, incontidas, o exteriorizar da besta, do carácter negro, impensado mas sempre em ebulição, se bem que amiudadas vezes adormecido. Resultado, matar de modo cruel, injustificado, inclusivamente de quem ama. O desfiar de tudo o que mancha o homem, o ódio, assassínio, suicídio, avareza, traição, insanidade.

Pensamento

Nos teus dedos nasceram horizontes e aves verdes vieram desvairadas, beber neles julgando serem fontes.

Eugénio de Andrade

Judeus Portugueses de Esther Mucznik (*****), um livro histórico que, passe a redundância, conta a história épica do judaísmo em Portugal ao longo de vários séculos, séc.XII ao XXI, os momentos em que, apesar dos preconceitos religiosos, os judeus, os cristãos novos, os marranos, ainda conseguiram uma vivência mais ou menos livre e onde o seu empreendorismo foi evidente, sobressaindo em várias áreas, tais como a medicina, artes, comércio, joalharia, astronomia, etc...mas a maior parte das vezes foram violentamente escorraçados, alvos de autênticos massacres, sendo dizimados aos milhares, mesmo quando se convertiam à religião cristã. Obrigados muitas vezes a fugir, a ser expulsos para outras latitudes onde acabaram por se destacar e desenvolver essas nações, como Holanda, Império Otomano, Veneza entre outros. O anti-semitismo, menos visível nos dias de hoje, continua presente em muitas mentalidades. Sefarditas, asquenazes, sobreviveram a enormes dilúvios de morte.

A Louca da Casa de Rosa Montero (*****), esta autora de quem gosto muito, percorre os dilemas, as vivências, os sonhos, as ficções, as vaidades, as impertinências, as recordações, enfim, um sem número de sentimentos e sensações que os escritores vivem, dedicando todo o seu ser à escrita. Será um romance, um ensaio, uma autobiografia???, é um perfeito cocktail disso tudo. Há de tudo, os escritores de boa memória e os amnésicos, todos com uma boa porção de loucura, recorrendo a ela para superar dúvidas e desapontamentos.

Um Homem Chamado Ove de Fredrik Backman (*****), um livro enternecedor, muito comovente, triste mas repleto de amor e humor. Há dois mundos, um com pessoas como Ove e, outros com pessoas diferentes de Ove. O primeiro é seguramente muito melhor que o segundo. Gente séria, recta, singular, com uma postura aparentemente rabugenta, fora dos dias em que vive, homens nascidos fora de época. Uma vida entregue à honestidade por mais irritante que possa parecer. Desaparecendo da sua vida a pessoa que o entendia e amou, quis morrer, porque a vida dele parou. Sobreviveu, com factos rísiveis, e acabou idolatrado por quem o rodeava, contra a sua vontade, um coração enorme. Personagens impossíveis de esquecer, obviamente o Ove, Parnaceth, Patrik, as filhas de ambos, Jimmy, Annie, Rune, Marsip, Adrian e a ausente, todavia sempre presente, a Sonya, a razão de ser da história.

Pensamento

Devia morrer-se de outra maneira. Transformarmo-nos em fumo, por exemplo. Ou em nuvens.

José Gomes Ferreira

A Torre Maldita de Roger Crowley (*****), uma soberba e pormenorizada descrição da sanguinária guerra entre os cristãos e os sarracenos (muçulumanos) pela posse da terra santa, simbolizada por Jerusalém, aqui centrada em Acre, local fortificado na costa do Mediterrâneo que, foi alternando entre os dois credos. Com o investimento nas cruzadas, os cristãos iniciaram sucessivas peregrinações que combinavam a parte religiosa mas, sobretudo, a vertente militar a ser primordial. Entretanto, em Acre, até à sua definitiva queda às mãos dos sarracenos, conviviam as ordens dos templários, dos hospitalários e outras, mais os oriundos de Veneza, Génova e Piza. Esta grande fortaleza que se aguentou desde a conquista perpetrada por Ricardo, coração de leão, foi derrotada durante um cerco épico e devastador. Nunca mais houve cruzadas.