Pensamento

Se te quiserem convencer de que é impossível, diz-lhes que impossível é ficar calado, impossível é não teres voz. Temos direito a viver.

Viver é um verbo enorme, longo.

José luís Peixoto

Uma Solidão Demasiado Ruidosa de Bohumil Hrabal (*****+), Já vos aconteceu não parar de ler um livro? Eis um! "Há trinta e cinco anos que trabalho com papel velho..." e é assim que começam estas maravilhosas páginas. A história de uma pessoa que, por ofício, prensa e destrói livros no subsolo de Praga, e que, por amor, salva dessa hecatombe os mais belos achados....todos eles condenados à destruição por uma autoridade censória. Até que, um dia, o progresso quer aniquilar definitivamente as páginas que a personagem insiste em resgatar. Obra de culto sobre a impossível destruição da memória e da palavra e o seu poder redentor em tempos desumanos. O escritor confessou ter vivido apenas para escrever este livro.

O Livro dos Baltimore de Joël Dicker (*****), na sequência de livros anteriores, Joël, leva-nos até 
à última página, neste caso a uma saga familiar, em que ele como escritor, com outro nome, faz parte. Famílias unidas aparentemente, mas que o tempo e no meio de tantas vicissitudes, se vai desmoronando até ao denominado drama final. Amigos inseparáveis e, quanto mais assim se sentiam e viviam, mais acabavam por se conhecerem ao ponto de os ciúmes, atritos, conflitos, desamores e paixões entrecortadas por separações mais ou menos longas, tudo isso fruto de uma ligação familiar demasiado chegada e dependente. A inteligência de uns, a sorte de outros, o dinherio de alguns, a aparência física dos restantes, causou uma autêntica fogueira, um choque....amor em demasia que leva a erros irreversíveis. Os Baltimore! Os livros são mais fortes do que a vida, São a mais bela das desforras. São testemunhas invioláveis do espírito de quem os escreve, da fortaleza inexpugnável da nossa memória.

 

Pensamento

Escrevo à mão, porque é como bordar, gosto do cheiro a papel, gosto dessa coisa artesanal da escrita, o desenho das letras.

António Lobo Antunes

O barulho das coisas a cair de Juan Gabriel Vásquez (*****), o mundo desabando em segundos, eis o tema que serve de base ao argumento deste magnífico livro que, nos conta de um modo original, a história do maior traficande de droga de sempre, Pablo Escobar. A queda de um avião à qual tiveram acesso, atavés do último diálogo dos pilotos aos acontecimentos terríveis.Colômbia, tráfico de droga, Escobar, dinheiro fácil com riscos associados, vidas perdidas, casais desfeitos, memórias duras que perduram, corroem e não cicatrizam. O tentar e conseguir seguir os porquês de fins explicáveis mas mal digeríveis.. Bogotá, a estranha capital de um país acidentado morfológica e humanamente. O fim anunciado por causa de outro fim do qual o personagem principal não cessa de investigar com o aproximar da filha do vulto do enigma.

Raízes Brancas de Bernardine Evaristo (*****), com humor, intelegência, uma escrita resoluta que dismistifica um dos cancros da sociedade intemporal, o racismo, a superioridade rácica, a escravatura. Em páginas simplesmente brilhantes, onde penetramos com uma familiariedade e interesse impararáveis e cada vez mais renovado. O mundo geograficamente ao contrário para demonstrar que o racismo e a a escravatura não são unívocos, não são exclusivo dos brancos sobre os negros, mas também dos de origem africana sobre os denonimados caucasoides. A descrição dos padecimentos das vítimas da escravatura são de todo em todo semelhantes àquelas que conhecemos, o inferno na terra. O fim abre as perspectivas que, até ao fim e, não obstante o sofrimento inominável, é possível encontrar um estreita via de reencontro com a liberdade por mais abalada que ela seja. Oficial e socialmente a escravatura foi abolida, mas não tenhamos dúvidas, ela ainda existe mascarada, muito mal mascarada e pulula por aí.

Pensamento

Há palavras que nos beijam, como se tivessem boca. Palavras de amor, de esperança, de imenso amor, de esperança louca.

Alexandre O'Neill

Antes que o Café arrefeça de Toshikazu Kawaguchi (*****), livro muito interessante sobre o relacionamento humano e as suas emoções. Basicamente trata-se de um romance sobre o que somos, com quem nos damos, o que fomos e, o que eventualmente seremos. Uma viagem no tempo imaginada num café, onde durante uns breves minutos as pessoas poderão revisitar a sua vida debaixo de umas condições que têm que respeitar, entre as quais, a principal, o café que é servido antes da "viagem" não pode arrefercer senão não haverá volta ao presente. Um romance para quem quer estar ligado ao mundo através de quem ama, mesmo que disso não se aperceba.

O País dos Outros de Leila Slimani (*****), Slimani ja me tinha habituado à sua assertividade, à verdade sem sofismas ou eufemismos. Eis um livro que, até não deixa de ter a sua actualidade dadas as similitudes com o que se passa no Afeganistão, sobretudo com as mulheres. Aqui, fala-se de colonialismo, de guerra, da participação dos marroquinos incluídos nas tropas francesas durante a II Grande Guerra, o abandono e pobreza a que são destinados numa terra inóspita e desigual. Mas sobretudo, o livro conta-nos a história de um desenraizamento de uma francesa casada com um muçulumano e todas as diferenças, choques culturais que daí advêm. A coragem, o amor pelos filhos comuns, a luta por um sonho eternamente inacabado. A superação que se consegue em momentos limite, o auto-controlo para defender até o indefensável. Finalmente a indepedência, o fim do colonialismo, que ambos celebram.

Cães maus não dançam de Arturo Perez Reverte (****), a brutalidade humana reflectida num conto romanceado mas que reflecte muitas verdades do que se passa neste mundo desumanizado. Uma fábula contada por cães, sendo que o principal, o Negro, vítima do destino, foi apanhado por um autêntico pardieiro de gente sem escrúpulos, sem carácter, criminosos que rouba animais para apostas em lutas, onde o sangue, o sofrimento, a morte têm lugar. No fundo este livro fala de abandono, fala de roubo, fala de sentimentos, fala até de solidariedade, sim, os animais também os têm e sentem, fala de uma visão realizada com uma enorme criatividade sobre a percepção que animais possuem em relação aos humanos. Livro só escrito por quem gosta de animais.

Pensamento

Mesmo que eu morra o poema encontrará uma praia onde quebrar as suas ondas.

Sophia de Melo Breyner Andresen

O Instituto para o acerto dos Relógios de Ahmet Hamdi Tanpinar (*****), uma prosa poética. Do início ao fim, acompanhamos a odisseia de um homem (Hayri Irdal), que enfrenta as mais pusilânimes situações ao longo da vida com a timidez, iliteracia, honradez e humildade que se pode imaginar. Nunca ficando indiferente às opiniões dos outros e da sociedade, mesmo e sobretudo dos mais chegados, acaba por sofrer com isso, sem deixar de passar momentos de sucesso muito pouco condizentes com a realidade como o prova a criação do próprio instituto. Uma obra prima alegórica, cómica em que se refere de modo sereno a tentativa de ocidentalização de uma Turquia milenariamente atrasada. Algo que se cria para problemas imaginários, numa vida cheia deles.

A Trégua de Primo Levi (*****), ler um livro de Levi é seguramente uma aposta em bons momentos acompanhados de páginas bem escritas, muito forte, duras e reais. Este é um exemplo de que aponta nesse sentido, o regresso dos escassos sobreviventes do campo de morte de Auschwitz (onde o escritor esteve), o regresso à vida?, mas que vida? que tortura se seguirá? Um retorno doloroso acompanhado de gentes tão diferentes, nas origens, nos comportamentos, nas aventuras, na fome, no cansaço inumano só superado pelo que passaram. O que vão encontrar, o que é o futuro?, existirá esse futuro ou, as vozes, as palavras e actos que viram, ouviram e viveram se irão eternizar? A ofensa sofrida alguma vez será extinta?, ela é a fonte do mal, submerge a alma e o corpo do ser humano, apagando-o, tornando-o abjecto. A infâmia fustigará os opressores, o ódio perpetua-se nos que conseguiram renascer das cinzas.

Pensamento

Na verdade, ninguém sabe que está a viver o momento mais feliz da sua vida enquanto está a vivê-lo.

Orhan Pamuk

A Absolvição de Yrsa Sigurdardóttir (****), um magnífico thriller, como já nos habituou esta escritora islandesa. Depois do "Legado" e de "Lisboa Reiquiavique", que já me tinham deixado uma boa impressão, este livro foca um assunto muito actual e polémico, as redes sociais, a sua utilização, e o que elas podem provocar de pernicioso, levando muita gente influenciável a descarregar as suas frustrações e ódios, muitas vezes escondidas atrás do anonimato, tendo como consequência situações limite. Neste caso, a polícia islandesa enfrenta uma série de crimes de extrema violência derivados de outra questão muito presente na sociedade em geral, na juventude em particular, o bulying. Não fora um final um pouco rebuscado e estávamos perante um perfeito livro, ficamos, no entanto, bem cientes dos perigos da má e tóxica utilização de um meio demolidor de comunicação que a afecta a vida em sociedade.

Último Olhar de Miguel Sousa Tavares (****), livro na linha de MST. Junta, em páginas fortes, assertivas, actuais, desnudadas, a ligar com pontaria certeira, três linhas salientes, a similitude dos actos do ser humano, em situações marcantes das últimas oito décadas, a guerra civil espanhola, a II Grande Guerra e, mais recentemente, a pandemia covid. Três momentos diferentes, reacções iguais, a desumanidade. Paralelamente a esses acontecimentos, a identificação, a descrição de pessoas com fortes personalidades no meio do caos humano. Há gente que não merece viver no meio de tanto egoísmo, intolerância e indiferença. É possível no meio disto tudo, haver actos humanos, solidários, legítimos ou não, que colocam o amor, a sobrevivência acima de tudo e todos, permitindo um último olhar mais justo e doce. As preferências do autor no que lhe é particularmente caro são por demais evidentes, uma pequena falha, mas legítima.

Pensamento

Queriam que ela fosse do lar, mas ela era do ler, com essa liberdade, ela era de onde quisesse ser!

Allê Barbosa

 

Um Fogo Lento de Paula Hawkins (*****), o terceiro livro que leio desta autora, e nunca deixo de ficar surpreendido, tem uma propensão e um talento para nos deixar com água na boca até ao epílogo. Durante o romance, todo ele fabricado com mestria, leva-nos por um caminho e mais uma vez oferece um final completamente surpreendente e enleante, cada página é uma pista que nos transporta literalmente a outra diversa. Outro dom que Paula Hawkins tem, é a sua capacidade, que impressiona, de descrever com um pormenor fora do comum, todas as personagens e locais, tanto emocional como fisicamente, que ficamos a "vê-las". A história em si, é de uma imaginação brilhante.