Um Cavalo entra num Bar de David Grossman (*****), que sorte tenho tido nos livros que venho lendo, este é um autêntico hino à boa literatura, ao bom romance. Trata-se de um espectáculo decadente, contado num palco de um bar igualmente decadente, numa cidade que também não deve nada à prosperidade, em Israel. Nesse palco, actua um artista comediante, que faz a sua última representação, descevendo com um humor muito negro, com um sentido trágico de auto-mutilação muito contundente, com a assistência que quereria, que em determinada altura da sua triste e miserável vida o deixaram sozinho, completamente só perante o mundo que lhe virou literalmente as costas. Chega a ser arrepiante o modo como a teatrilidade é manifestada. A descrição corajosa do indescrítivel.

Pensamento

A vida torna-nos hábeis, mas a arte torna-nos humanos. Sem ela, existimos. Com ela, vivemos.

João Tordo

O Combate de Norman Mailer (****). Um livro de Mailer tem todas as premissas para ser um magnífico momento de leitura e aprendizagem. Pois foi o que aconteceu neste livro que descreve duas histórias que se interligam. A luta de palavras e a luta física, na forma de boxe, entre dois campeões inesquecíveis, de origem africana em África, que se preparam denodadamente para um combate épico. A descrição do combate, per si, vale a pena ler o livro, impressionante, os gestos, os eventuais pensamentos, a dor, a força hérculea, a coragem, os erros, a máquina de bater. Cassius Clay foi superior a George Foreman, o dançarino táctico bate o touro de força. simultaneamente, percorremos com muita classe, uma visão do continente africano, das suas vicissitudes, suas debilidades, seu povo, seus líderes. A vitória no combate foi uma luz de esperança para os mais pobres e desprezados, infelizmente....apagou-se.

A Última Tribo de Eliette Abécassis (***), um livro basicamente que se serve de modo sagaz, de uma fuga, de uma paixão, de uma ausência repentina, para o personagem principal, Ary, hebreu, deixar o seu deus, as sua grutas de isolamento junto ao Mar Morto, a sua escrita em pergaminhos, para partir para o Japão. Essa partida, incentivada, tem uma finalidade, salvar o seu amor humano, a Jane. A partir daí, desencadeia-se uma onda de  uniões, reminiscências de religiões que se equiparam, ou têm a mesma origem, como o judaísmo e o xintoísmo, este fustigado pelo budismo. Os mesmos anagramas, os mesmos símbolos, a mesma celebração, tudo se conjuga para uma história bem contada, misteriosa, de meditação corporal e espiritual. Uma descoberta.

Pensamento

De ti só quero o eco do teu nome e um gosto que não sei de mar e mel. De ti só quero o pão da minha fome mendiga que já sou da tua pele.

Rosa Lobato de Faria

Istambul Istambul de Burhan Sönmez (*****), o horror e o belo, Istambul e Istambul, as duas facetas, as duas metrópoles, a buliçosa e a a tortuosa. Uma gigantesca cidade cheia de movimento, cores, pontes, docas, monumentos, gritos, vendedores, artistas, cafés, cosmopolita mas fria, distante e impessoal, a outra, a subterrânea, a negra, a tortuosa, o inferno, o sofrimento, a dor lancinante, o sangue, a fome, o medo, mas onde há calor humano, porque para se sobreviver lúcido tem que ser para além de corajoso, criativo, forte e ter amor pelo que não vive. Personagens que sofrem muito para além do imaginável sofrimento considerado humanamente possível. Um velho, um barbeiro, um estudante, um doutor, a "princesa" da cela ao lado...vão morrendo lenta e diariamente contando histórias de Vida.

Pensamento

O inferno não é o lugar onde sofremos, é o lugar onde ninguém nos ouve sofrer.

Mansur AL-Hallaj

Os Peixes não têm Pés de Jón Kalman Stefánsson (*****), uma obra prima literalmente inundada por uma história de várias gerações de famílias islandesas, história essa pintada com as cores, branca, a neve, negra, o sofrimento, azul, obviamente o omnipresente mar. Sempre o Mar, não estivéssemos nós a falar de uma ilha, grande mas isolada, longe de tudo. Muita dor, muitos desencontros, tragédias, loucuras, afastamentos quando o amor existente era negado por causa das culturas, ausências e memórias contadas com muito sentimento e simultaneamente, desprendimento. É possível amar estando com quem se ama, e amar ainda mais quando não se está com quem se ama. A natureza agreste, o mar revolto, a pesca e seus intérpretes, a ingenuidade, o processo de crescimento em condições pouco favoráveis. Prosa poética.

O Mapa e Território de Michel Houllebecq (*****), livro em crescendo baseado na vida de um artista intermitente entre fotógrafo, pintor e desenhador, uma personalidade interessante, pouco empreendedora e com um conhecimento alternado e hesitante do que realmente queria. Com uma família reduzida aos pais, ambos com uma vida desafogada mas infeliz, ambos deram por terminada a vida, a mãe que se suicidou e o pai que por opção, o fez através de morte assistida. Cresceu, amou pouco mas com intensidade, fez sucesso, entrou no romance com o autor como personagem, Michel, pintando-lhe um quadro, a sua imagem fisíca e emocional.....a juntar a isso e após o êxito iniciado com imagens baseadas nos mapas Michelin, uma ideia repentina e feliz, encontrou uma paixão, esteve presente em várias situações que o chocaram. E terminou milionário, isolado, na antiga propriedade dos pais. O cruzamento com pessoas de diversas áreas como polícias e galeristas, também enriquece o texto e o conhecimento.

Pensamento

Enquanto você for o que os outros querem que você seja, você não será ninguém.

A Torre de Barbela de Ruben A (*****), livro que me surpreendeu muito positivamente, uma maneira muita curiosa de escrever, ou seja, linguisticamente muito rico, historicamente nem se fala, soberbo. O autor, serve-se de uma metáfora interessante para nos contar a história de Portugal, nomeadamente entre os rios Lima e Douro durante vários séculos, e como o faz? Tendo como base uma torre de menagem no rio Lima, triangular, geralmente são quadrangulares, alvo de muitos visitantes que durante o dia vagueiam por aquelas paragens, com um guia local como cicerone, usufruem de uma lição histórica e das paisagens que o local proporciona. A noite é dos Barbelas e dos primos Beringelas, dos mortos, antepassados que regressam dos seus túmulos para nos fazer viajar no tempo, criando um cenário do que seria a vida dos nobres ao longo de várias eras, convivendo entre si com vivências próprias de tempos bem diferentes, curiosamente prontos a defender os seus domínios de possíveis posses de gente actual.

Pensamento

Viver não tem nada a ver com isso que as pessoas fazem todos os dias, viver é precisamente o oposto, é aquilo que não fazemos todos os dias.

Afonso Cruz in "Flores"

O Velho que lia romances de amor de Luís Sepúlveda (*****), obviamente um livro encantador, uma maneira de escrever única, melodiosa e simultaneamente assertiva, na defesa de princípios e do meio ambiente, do índigenas perdidos em florestas tropicais cada vez mais empurrados pela invasão de colonos e garimpeiros. Muitos destes serão vítimas da natureza que a castigam e massacram, e os animais defendem o seu habitat.....no meio desta estória, um velho, figura central, que, com dificuldade, lia romances de amor, amava a floresta e os homens de bem. Retirado do livro, "pôs-se a andar na direcção de Ei Idílio, da sua choça e dos seus romances, que falavam de amor com palavras tão bonitas que às vezes lhe faziam esquecer a barbárie humana."

O Tempo entre Costuras de Maria Dueñas (*****), apenas uma palavra para início, viciante, na linha do anterior, "As Filhas do Capitão", esta autora exalta a coragem das mulheres. No primeiro livro que li, aborda o tema de uma família que emigrou da Espanha para os EUA e que teve que lutar para se manter à tona de água. Neste, retrata uma jovem, depois mulher, que de Espanha, antes da guerra civil, foi para Marrocos por paixão e segurança onde acabou por ficar só e sem nada, reergueu-se com ajuda de gente pobre e boa, utilizou as suas valências na costura, aprendidas com a mãe, para subir num mundo rodeado de desconfiança, espiões, alemães, ingleses, um mundo em guerra, mesquinho,  traidor e com diferenças sociais muito vincadas. Lisboa também foi cenário final, antes do regresso a Madrid para a última e decisiva intervenção como espia....lembra uma séria portuguesa que passou recentemente na RTP (2020). Até as minas de volfrâmio foram protagonistas dos duelos entre nazis e aliados. Deslumbrante!

Pensamento

Mas espera-me: Pois por mais longos que sejam os caminhos.....Eu regresso!

Sophia M Andresen

Às Cegas de Josh Malerman (***), um livro cujo argumento é baseado numa situação normal ou paranormal, que perante ela as pessoas enlouquecem, morrem e matam de modos macabros por mais avisados que estejam. Nunca se chega a saber o que causa este horror, que tranca e isola o mundo. A única maneira de agir....é não ver....logo, solução, tapar janelas, portas, vidros, sair vendados ou cegos propositadamente. Consegue-se tirar deste livro, a conclusão da fraqueza do ser humano perante situações inauditas, aqui levadas ao extremo, e o espírito que pode unir as pessoas para se protegerem colectiva e solidariamente, onde o aparecimento de alguém mais susceptível pode criar o caos e a morte. Medo e audácia medem forças.

E as Montanhas Ecoaram de Khaled Hosseini (*****), belo, admiravelmente belo este livro, envolve-nos do princípio ao fim, chegando a tocar a nossa pele, o nosso coração, onde encontramos uma afinidade e carinho pelas personagens. É impressionante o modo de escrever que nos faz entrar no livro, revendo-nos no que é, emotivamente, escrito e simultaneamente, as personagens saem das páginas que vamos avidamente percorrendo e "sentam-se" connosco, tal a nitidez com que nos são expostas. Desde uma geração de dois irmãos separados por cultura e necessidade, no Afeganistão, Abdullah e Pari, o livro percorre um mundo de vicissitudes, alegrias, afastamentos e sentimentos que nos oprimem e libertam em simultâneo. Este escritor agora por mim conhecido, deixa no ar uma brisa de esperança no meio do desânimo.

Pensamento

O "Fracasso" era um homenzinho baixo, atarracado, furioso, lançando olhares dardejantes para todos os lados, por debaixo das sobrancelhas emaranhadas.....junto dele a "Vitória" parecia-nos uma mulher esguia, de pele alva, um tanto lânguida.
TE Lawrence

Os Sete Pilares da Sabedoria de TE Lawrence (*****), um livro literalmente colossal, na dimensão e na história. Uma impressionante autobiografia de um oficial inglês que, durante a primeira grande guerra, participou activa e incansalmente, na península arábica no conflito com os seus aliados árabes contra os turcos otomanos apoiados pelos países do eixo. A leitura duradoura deste livro, 800 páginas, é uma gigantesca viagem pela natureza hostil, pelo inevitável e constante confronto entre culturas tão díspares, pelo horror da guerra, pela estatégia, nem sempre levada a cabo com êxito, ou por insuficiente logística ou por frequentes duelos tribais, presente também, a fome, a sede, o cansaço, nunca tão bem o mesmo foi pormenorizadamente descrito, a exaustão versus clarividência, pela paisagem e nomeadamente pelos camelos, um animal sempre presente ao longo das páginas, tal a sua importância no desenrolar das infidáveis e loucas viagens. Finalmente, e não menos importante, a parte psicológica, o estar com os árabes, sendo inglês, sempre com a sensação de culpa de que poderia não existir o cumprimento do compromisso firmado entre aliados. Basicamente, um mundo diferente, complexo mas puro e são no que concerne às relações humanas.

A Directora de Rosemere de Sarah Ladd (****), livro lido em dois dias, tal a simplicidade e ligeireza da história e escrita. Um romance ternurento, com dificuldades em se compor desse modo, com muitas voltas e reviravoltas, sobretudo devidas ao passado de ambas as personagens principais. Opiniões próprias de uma época victoriana, diferentes, com costumes interessantes. A descrição dos sentimentos, o pudor dos actos, a verticalidade de uns em conflito com interesses de gente sem escrúpulos. Enfim, um romance que termina com a redenção e o encontro do amor da maneira mais doce.

Nota do bloguer, pela segunda vez tentei iniciar a leitura do livro "Som e Fúria" de William Faulkner, e por motivos de desadaptação à linguagem, modo de escrita, deixei para outras núpcias.

Tenho atravessados para ler, James Joyce e William Faulkner.