Até ao Fim da Terra de David Grossman (*****), já leram Ana Karenina de Tolstói? Já leram A Mãe de Gorki? Pois se sim, sabem do que estou a falar, se não, tem que ser agora. Acabei de ler um colossal livro, esmagador, diria, a história por sinal muito idêntica à que o autor passou na vida real. O medo de enfrentar a verdade, a luta interior, a força esmagadora que a procura incessante da paz nos leva a actos tremendos de desespero, de amor, de sofrimento introspectivo e simultaneamente explosivo. Estamos perante o conflito infindável entre Israel e países árabes, egípcios antes e palestinianos na segunda geração, o afastamento das famílias, a incorporação dos jovens, as torturas infligidas e a sua descrição pormenorizada, o afastamento, o eterno terror da verdade, leva uma Mulher, Ora, a reviver todo o seu passado com Avram, também Ilianne e os filhos que ela tem de ambos, Ofer e Adam.....e é a incorporação de Ofer em situação de perigo iminente, estamos a falar do período dos atentados e da intifada, que a leva, igualmente, a fugir, tentar fugir da realidade, na procura de uma paz que nunca encontrará.

Pensamento

Não perguntes o que a tua pátria pode fazer por ti. Pergunta o que tu podes fazer por ela.

John Kennedy

Boileau-Narcejac escreveu Vertigo (*****), livro que serviu de base a um dos melhores filmes de Alfred Hitchcock, um livro vertiginoso. Do início até ao fim nos empurra literalmente a ler compulsivamente. É um romance de um tremendo suspense, cada página leva-nos a voar por uma história incrível, carregada de um mistério, de um misticismo e de uma aparente irrealidade que nos esmaga. Afinal, no fim, tudo não passa de um plano muito bem engendrado mas levado a cabo com uma crueldade que leva ao desespero, à loucura e à morte.

Pensamento

O quarto agora é o mundo todo, nem maior nem menor que o mundo inteiro. Dantes ia eu aos múltiplos lugares, venham agora esses lugares a mim.

As Inseparáveis de Kristin Hannah (****), foi o terceiro livro que li desta autora, primeiro foi o Rouxinol, depois a Grande Solidão e agora este, todos eles, extremamente bem escritos, muito familiares, ou seja, aproxima-nos das personagens, sendo que este último, nos enleva, nos descreve uma bela e impressionante amizade de duas meninas, depois mulheres, Tully e Katie, tão diferentes, mas, tão unidas não obstante as zangas, algumas delas bem prolongadas que aconteceram entre elas, mas que, quando era preciso, lá estavam elas unidas, carregadas de amor e cumplicidade. Opiniões diferentes, às vezes, mesmo antagónicas, mas que se complementam, os polos opostos atraem-se. Assim, livro ligeiro, próximo e muito comovente....com um final onde a morte de uma delas, morte por cancro, nos deixa emocionados.

Os Testamentos de Margaret Atwood (*****), que grande livro, após "A História de uma Serva", esta esplêndida escritora, na sequência da sequela que esse livro nos deixou, escreveu este fabuloso livro que nos leva a penetrar num mundo de ficção, mas que podia ser, infelizmente, realidade. Uma abominável ditadura, como tal, desumana, com um disciplina onde o terror assenta, onde a hipocrisia e a corrupção convivem, onde as desigualdades sáo prementes e horrorosas, a pena de morte e os castigos infligidos em geral são exercidos através de uma violência extrema e fazem parte do dia a dia. Nesse regime, supostamente passado no anterior EUA, agora Gileade, a desconfiança, o medo, o afastamento e a hierarquia castigadora estão sempre presentes. Homem superior à mulher, e dentro de cada género também existe uma pirâmide assustadora. Pois, este livro é nos contado por três testemunhos diferentes mas que, ao longo dos capítulos se apercebe que se irão juntar para fazer implodir essa ignomínia, com a ajuda de uma organização situada no vizinho país Canadá, o Mayday. Só ao ler nos arrepiamos com a possibilidade de algo deste género existir. Inesquecíveis, Lídia, Agnes e Nicole....heróicas.

Pensamento

Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.

Fernando Pessoa

Lavínia de Ursula K LeGuin (*****), a minha cara, como é costume dizer quando algo se identifica com o receptor. Este livro tem os ingredientes especiais para o tornar inesquecível. História, guerras, geografia, amor, voluntarismo, poesia, magia, fantástico. A história de Lavínia é basicamente a de uma mulher de família real, que viveu, muito antes da formação de Roma e mesmo antes de cristo, na península itálica, numa zona perto do rioTibre, chamada Dácio, rodeada de etruscos, rútulos, volscos e outros povos. Tendo como fonte de inspiração o poeta imortal Virgílio, esta romancista descreve como os troianos derrotados pelos gregos, navegam, guiados por oráculos, crendices e deuses até aquele local por Eneias, herói troiano, que acaba por casar com a personagem forte e amada, Lavínia. As guerras, os sacríficios pagãos, a agricultura, os camponeses, as tecedeiras, tudo nos leva a este livro como se uma pintura poética se tratasse. Livro cheio de magia.

A Carne de Rosa Montero (*****), um livro extremamente audaz como aborda os temas da solidão, do envelhecimento físico e mental, a busca constante de amar e de ser amada. A partir de uma infância e adolescência onde a personagem sofreu maus tratos dos progenitores, tendo a sua irmã gémea enlouquecido, atirou-se, literalmente, de cabeca, para uma vida possuída de uma obsessão desmedida pelo contacto físico, carnal e pela falta de amor.....teve momentos felizes, mas efémeros, não assentou, não se equilibrou, recorreu a tudo, desde amantes comprometidos a acompanhantes pagos para se sentir desejada. A juntar a isso, sendo uma pessoa culta, compara a sua vivência de insucessos e quase loucura com muitas celebridades que, ou se suicidavam, matavam, amavam platonicamente. Um livro sobre devorar ou ser devorado.

Pensamento

Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar. Enquanto houver estrada para andar, enquanto houver ventos e mar, a gente não vai parar, enquanto houver ventos e mar.

Jorge Palma

Nestes tempos conturbados, inquietos, difíceis, mortais, socialmente afastados.....um poema de Maria de Sousa, imunologista, vitíma da pandemia que afecta o mundo....3 de Abril 2020.

Carta de Amor numa pandemia vírica, Gaitas-de-fole tocadas na Escócia, Tenores cantam nas varandas em Itália, Os mortos não os ouvirão, E os vivos querem chorar os seus mortos em silêncio, Quem pretendem animar?, As crianças?, Mas as crianças também estáo a morrer.

Na minha circunstância, Posso morrer, Perguntando-me se vos irei ver de novo, Mas antes de morrer, Quero que saibam, O quanto gosto de vós, O quanto me preocupo convosco, O quanto recordo os momentos partilhados e, Queridos, Momentos então, Eternidades agora, Poesia, Riso, O sol-pôr no mar, A pena que a gaivota levou à nossa mesa, Pequeno-almoço, Botões de punho de oiro, A magnólia, O hospital, Meias pijamas e outras coisas acauteladas, Tudo momentos então, Eternidades agora, Porque posso morrer e vós tereis de viver, Na vossa vida a esperança da minha duração.

A Coragem de Cilka de Heather Morris (*****), livro que nos conta de modo dramático e comovente, a história de uma miúda feita mulher em condições infra-humanas, que se mostrou na posse de uma coragem sem limites, enfrentando situações inimigináveis com um estoicismo e uma personalidade gigante, vivendo com o anátema e sentimento de culpa por ter sobrevivido perante tantas e desumanas adversidades. Passou pelo camppo de extremínio de Auschwitz, poupada à morte por ser bela, foi vítima de abusos sem descrição para se manter viva, enquanto com uma dor indescrítivel observava e «mandava» pessoas para à morte, entre as quais a própria mãe, não tinha alternativa, ou vivia ou morria. Incontável, o que se seguiu após a libertação, pelo facto de sobreviver ao campo de morte nazi, foi apontada e acusada pelo regime estalinista, como colaboradora, e o resultado foi catastrófico, enviada para um campo de trabalho, Gulag de Vorkuta, onde viveu o pior que se pode eventualmente imaginar. Sobreviveu, de novo, com uma coragem ímpar, uma resiliência fora de tudo o que é humanamente possível. Uma frase retirada do livro, escrita por das vítimas dos Gulags, Aleksandr Soljenítsin, para terminar esta sinopse...."como é possível que o nosso povo tenha gerado semelhante alcateia?....descenderão de nós, realmente? Sangue do nosso sangue?, são....sim.

As Rosas de Atacama de Luís Sepúlveda (*****), um livro que é melodia para os nossos olhos, para a nossa cabeça. Trinta e cinco histórias curtas, lindas, escritas com ternura e do modo que descreve os locais por onde passou, tantos cheiros e cores, tantas pessoas, pessoas essas que viveram situações ímpares, únicas, de enorme solidariedade, de imensa coragem, de grande sofrimento ao lutarem por causas, A ecologia, os eternos conflitos, o golpe fascista no Chile, os mares, os lapões, os pescadores de Moçambique, os croatas, os sérvios, montenegrinos, bósnios, eslovenos, tão juntos, tão separados de seguida......um fio condutor......a luta pela igualdade, pela dignidade, pelo ambiente pela liberdade contra os verdugos deste mundo. As rosas de Atacama, uma das histórias, descreve o aparecimento anual de rosas, efémero, de umas horas apenas, sempre a 31 de Março, que torna o deserto salgado num tapete vermelho. Uma palavra para as Astúrias, local onde o autor se exilou após o golpe fascista de 1973 no Chile, terra de gente solidária.

AS Filhas do Capitão de Maria Dueñas (*****), a felicidade de ler romances tão intensos como este, deixam-me cheio de saudades ao acabar de o ler. Como disse, uma história intensa baseada na emigração, neste caso de um mãe e três filhas, de Espanha, uma Espanha empobrecida e às portas de uma trágica guerra civil, com destino aos Estados Unidos, New York. Basicamente, é de coragem, é de sofrimento, onde a solidariedade da maioria dos emigrantes pela similitude da situação que vivem ou viveram e, por outro lado o oportunismo de quem se aproveita da ignorância e ingenuidade dos incautos necessitados, que esta história é descrita terna e incisivamente por esta óptima escritora. Em resumo, mãe, D. Remédios, as três filhas gigantes em força interior que se entreajudaram apesar de fugazes atritos, Victória, Mona e Luz, foram ter com o pai Emíllio Arenas, que entretanto morre vítima de um acidente....pois é a partir daí, que resulta a vontade indómita e, contra toda a envolvente, de se manterem de pé.

Pensamento

Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.

Fernando Pessoa

Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos de Olga Tokarczuk (*****). Estamos perante um livro de grande intensidade literária, repleto de imagens da natureza no seu ponto mais agreste e simultaneamente violento na faceta do fundamentalismo na defesa dos animais em duelo com a tradicional caça sem finalidade para além de matar por puro divertimento. Numa aldeia polaca, pequena e isolada, perto da república Checa, com pouquíssimos habitantes, entre os quais a nossa personagem central, que se encarrega de cuidar das casas, de vigiar os campos, de defender os animais até ao limite, o que nos leva a um fim inesperado por um lado, mas compreensível por outro. O isolamento, os invernos rigorosos e longos, a paixão, a incompreensão, o mal, o acreditar em fenómenos paranormais, a astrologia.....tudo encaminha esta história para uma lição de vingança, toda ela, baseada no fanatismo por uma causa que provoca a cegueira dos actos cometidos.

HOMENAGEM

A História Secreta de Donna Tartt (*****), um livro que não poderia reflectir melhor o que se pode passar quando pessoas, neste caso, adolescentes de qualidade intelectual acima da média, a estudar fora dos ambientes onde cresceram, num campus universitário que lhes podia levar a um crescimento e sucesso escolar equilibrados e seguros, mas....eis que aparece a conjugação do intelecto, do dinheiro, as drogas, o álcool, enfim, os excessos que acabaram por provocar num grupo fechado, pelo facto de gostarem de uma disciplina pouco procurada, o grego, leccionada por alguém também distante dos hábitos da comunidade escolar, o que exponenciou o afastamento social. Pronto, eis o retrato da tragédia, do esconder a mesma, dos pesadelos e do viver com a mentira e o disfarce. Richard, Henry, Camilla, Charles, Bunny e Francis, fins diferentes, mas todos eles infelizes, mesmo dramáticos, quando tudo podia ser tão diferente, ou não. Os génios mutilam-se, sofrem, morrem prematuramente....uma autêntica tragédia Grega.

Pensamento

Creio que foi o sorriso, o sorriso foi quem abriu a porta. Era um sorriso com muita luz lá dentro, apetecia entrar nele, tirar a roupa, ficar nu dentro daquele sorriso. Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

Eugénio de Andrade