Surpreendente em termos de suspense e de argumento o O Homem das Castanhas de Soren Sveistrup, é uma estória sobre um serial killer que assim cresceu, devido a traumas tidos enquanto criança. Estamos, ao longo do livro, longe, sempre muito longe, do desfecho que nos irá surpreender. Muito positivo o facto de os capítulos serem extremamente pequenos, o que nos dá para seguir o desenvolvimento do drama policial com mais atenção sem nos dispersarmos. Também as personagens criadas fogem ao habitual, transmitindo insegurança de quem sabe e segurança de quem quer mostrar trabalho sem o fazer. Cada livro deste género denomino lackberguiano de (Camilla Lackberg).

Pensamento

Cá dentro inquietação, inquietação. É só inquietação, inquietação. Porquê, não sei. Porquê, não sei. Porquê, não sei ainda. Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer. Qualquer coisa que eu devia perceber. Porquê, não sei. Porquê, não sei. Porquê, não sei ainda.

José Mário Branco

Os Meninos de Varsóvia de Elisabeth Gifford, é mais um exemplo vivo do tema incontornável, o nazismo e dos crimes perpetrados sobretudo contra os judeus, Nunca se deixa de ficar emocionado, profundamente chocado, comovido e incrédulo com o que aconteceu nesses anos negros. Este livro é um deles, uma viagem ao negro, muito tocante, cruel na descrição, porque ainda por cima, fala de crianças e de quem tanto fez para as proteger e ensinar. Uma história de guerra criminosa, cruelmente inacreditável, mesmo para quem a estava vivendo por dentro, fica-se sempre surpreendido com o crescendo de ódio injustificado, frio, cruel e de uma brutalidade indescrítivel. Emocionei-me, mas as últimas linhas do livro, abrem uma esperança por um mundo melhor, só que sobre escombros que jamais serão olvidados.

Homem de Giz de CJ Tudor, eis um livro fulminante, extremamente bem escrito no que se refere aos saltos no tempo de 30 anos. As personagens que são referenciadas e descritas de modo único. Uma surpresa muito agradável, emocionantre, tenebroso na descrição de algumas cenas. Numa palavra, de início ao fim, um desenrolar soberbo. Com certeza irei ler outro desta autora.

E cá está, conforme prometido eis outro de CJ Tudor, Levaram Annie Thorne. Idêntica maneira no modo de escrever do anterior livro que li desta autora. Ambos rebuscam o passado, saltam no tempo, com uma imaginação mágica. Cenas de grande terror que arrepiam, um passado que volta, ou alguém que volta do passado e não encontra as razões, ou melhor, os alvos que queria atingir, outros são os causadores dos pesadelos que atormentam a personagem principal e simultaneamente narrador. Final, com óbvia surpresa, passe o paradoxo, o que nos leva também a pensar que nada que nos é dado como adquirido é definitivamente verdade. Também a confusão entre a realidade e o imaginário se entrecruzam.

Os Nus e os Mortos de Norman Mailer, uma abordagem épica sobre uma fase terrível da II Grande Guerra, a guerra americano-nipónica. O clima, as adversidades, os confrontos militares, os confrontos psicológicos entre os militares, as doenças, o isolamento, os limites fisícos, com a ida ao passado a descrever as origens das personagens que nos enchem o livro de uma intensidade avassaladora. Para ter uma pequena ideia, nada melhor que transcrever uma passagem do livro, pág.649, "cambaleavem como uma fila de bêbados, arrastavam os pés com as cabeças pendentes sobre o chão, os braços a oscilar espamodicamente ao lado do tronco. O equipamento tornara-se pesado como chumbo, e em cada proteburância óssea dos seus corpos ploliferara uma variedade de feridas." Escritor, obviamente a repetir.

Pensamento

Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar.

Sophia de Mello Breyner Andresen 

Lolita de Vladimir Nabokov, eis uma obra prima, transformar com uma estética ímpar um livro que poderia se encaminhar para uma leitura de cariz pornográfico, para algo de doce, poético, arrasadoramente belo. Uma história abjecta de uma relação de pedofília entre um adulto que não consegue manter a compostura perante as ninfetas, como ele lhes chama, e uma miúda adolescente, que já é possuidora de uma lascívia e de um comportamento digamos que brejeiro, torna-se numa história, de amor e vingança, medo, pânico de perda, ciúmes, fuga à crítica social. Convém ressalvar que, nunca, em fase alguma neste romance são utilizadas palavras ou descrições despudoradas, o que o torna quente mas esteticamente perfeito.

Serotonina de Michel Houellebecq, porquê estar vivo se tudo o que vale a pena na vida, destruímos, passamos ao lado ou nem sequer visualizamos com olhos de ver. A impotência perante tudo e a impotência sexual, o isolamento precoce, a falta de coragem para lutar por aquilo que se quer, a depressão que daí advêm, o resultado negativo dos anti-depressivos, a serotonina, uma planta, leva ao fim....então quando o pouco que nos resta á nossa volta também acaba, toma outro caminho ou finalmente também se suicida. É o fim!

Viagens, Mar, Livros......that's me!

 

Uma autêntica melodia à vida, História de uma Família Decente de Rosa Ventrella, um livro "cantado", realmente estamos perante a história de uma família de Bari, Itália, uma família pobre, cheia de dramas, rodeada de perto por famílias com problemas igualmente devido à pobreza, paredes meias com outro mundo mais robusto economicamente. Contado na primeira pessoa pela personagem principal, Maria, conhecida por Malacarne, devido à sua rebeldia mas também porque superava a vida errática, com pensamentos, amizades, inimizades (muitas), desencontros e encontros mais ou menos odiosos para a família, sobretudo o pai....um hino à literatura, muito na linha de Elena Ferrante, também porque descreve uma amizade/amor, proibida mas vivida.

Dá-me a tua mão de Megan Abbott, é um livro extremamente absorvente, escrito entre o passado e o presente, "outrora e agora", conta-nos de modo crescente um relacionamento entre duas miúdas, primeiro, adolescentes e adultas depois, que têm uma ligação psicológica e emocional muito fortes, que as leva a um excesso de transtorno mental e até de repulsa, medo e afastamento. Um segredo, uma confidência pode transformar a vida de alguém num inferno, num palco de mentiras e omissões. A vida torna-se tortuosa, uma "nightmare", uma dúvida constante. Como dar a volta à consciência? Personagens....Diane a que causa o pesadelo, Kit, a principal e que sofrerá com a confidência jurada, de modo atroz, confundido-a, mas no fim atinge a libertação.

O Hotel Silêncio de Audur Ava Olafsdóttir é um livro bonito, poético, redentor, uma história simples contada como se uma música acompanhasse o texto. É possível vencer o que parece inevitável? É possível dar sentido à vida quando ela já o perdeu? Será que alguma vez alguém recupera pelo facto de ter nascido? É possível sarar cicatrizes no sítio onde há mais? É disto que o livro trata, da possibilidade de ganhar uma nova vida, ou melhor, preservar a que temos quando as circunstâncias proporcionam esse desiderato. O personagem, Jonas, islandês, não vê fuga sem ser a morte, pôr termo à vida, mas afinal é possível mudar esse pensamento quando convivemos com quem morreu muitas vezes. "A vida não precisa de ser excitante, mas estar cheia de sentido."

Uma brutal descrição de uma queda sem rede, por falta dela, por não a querer, por demência, por um servilismo levado à loucura, No Bunker de Hitler de Joachim Fest. Terrível fim para um povo, para uns povos, por causa de uma irreal postura de seres embriagados pela pérfida e doentia ideia que mais vale a queda abrupta com todos os sacríficios que daí advêm do que a humilde e atitude sensata de terminar com o derramamento de sangue por razão nenhuma, não há vencedores. Os dias finais de um ditador e dos seus apaniguados e sobretudo o definhar de um povo que sofreu e morreu cegamente por causa de uma decisão unilateral. Caia ele e com ele todos os outros.

A Oeste nada de Novo de Erich Maria Remarque! A guerra descrita e narrada com uma forte componente de realidade nua e crua, uma guerra que ningém percebeu porque se iniciou, ninguém percebia porque combatia, ninguém entendia porque morria fisicamente ou para o futuro. Uma geração de jovens em idade escolar, perdida, degolada, traumatizada, caída em campo de batalha de um modo selvagem, inumano, irreal. "Só nos resta as trincheiras, os hospitais militares e as valas comuns". Este livro mostra a guerra através dos olhos e da mente de jovem feito soldado. O escritor despoja a guerra de qualquer heroísmo. "A guerra é perder toda a dignidade e todos os valores humanos, é as pessoas tornarem-se autómatos."

Kazuo Ishiguro escreveu As Pálidas Colinas de Nagasaki, tendo como pano de fundo a bomba atómica que caiu em Nagasaki, e os efeitos devastadores que ela provocou na vida das pessoas que sobreviveram a tal embate, é um romance que nos deixa a flutuar entre a realidade e a ficção. Comovente, cheio de emoções, encontro de afinidades que nos levam ao arrepio da história, e que nos deixa arrepiados em cada virar de página, pela simplicidade e ternura de tal modo absorventes que o livro se cola a nós.

Pensamento

Não abandones as tuas ilusões. Sem elas podes continuar a existir, mas deixas de viver.

Mark Twain

Um livro memorável, Casei com um Comunista de Philip Roth. Duas frases retiradas deste livro excepcional, "...a terra gira muito depressa, não te demores, o tempo não joga a meu favor...", "...as estrelas são indispensáveis...". Livro que aborda de modo extraordinário o pós II Grande Guerra nos Estados Unidos, o que se seguiu foi uma sociedade desconfiada, perseguidora, complexada, medrosa e traiodora de si própria. As perseguições levadas a cabo, por denúncia, de todos aqueles a quem lhes era apontado o dedo por serem comunistas ou alegadamente próximos dessas ideias e as diferentes maneiras de lidar e lutar por uma sociedade mais tolerante sem estigmas e divisões. Ajudam a libertar a Europa de um louco ambicioso e acabam por se fechar sobre si próprios, não conseguindo olhar com auto-respeito. Personagens, Nathan, o jovem que se tentou libertar dos lados extremados, Ira, o lutador, o violento, o perdido no vórtice dos acontecimentos, sem conseguir parar, Murray, irmão de Ira, mais racional......de tudo (ódios, traições, ciúmes) numa época, narrada memoravelmente.

Infinitamente sonhador, A Mãe de Maksim Gorki, é um livro que fala sobre a luta incessante por algo melhor na sociedade, tempo dos czares, tempo de censura, tempo de ditadura. Luta pela democracia por parte de um grupo cada vez mais dilatado, jovens sobretudo. Aqui entra uma mãe de um deles, que sofreu imenso nas mãos de um marido violento, embriagado, sem princípios. Com ela sofreu o filho a vivenciar as injustiças, o "cala, consente" da pobre senhora, a sua mãe. Daqui a revolta dele e dos seus camaradas, levando a cabo uma luta forjada do nada, sem meios, mas com uma vontade inaudita impressionante. A mãe, distante, medrosa, tradicional no início, acabou por ir percebendo e aderiu aos pensamentos do seu filho, lutando com toda a energia ao lado, agora de todos, todos eles eram seus "filhos". Conseguirão, mais tarde, acabar com a oligarquia, mas a democracia brilhante que almejavam, nunca existirá na sua plenitude, longe disso. Um exemplo memorável de coragem e de solidariedade entre gente com forte vontade de mudar. Gente única, lutando por um ideal, em muitos momentos de modo ingénuo.

A Rapariga Esquecida de Bart Van Es, é um livro contundente, a surpresa é o que me fica mais vincado, não pelo modo de escrever, que é excelente sem dúvida, mas pela substância, pelo que está escrito. O modo de escrever é forte, completo, alternado no tempo, a actualidade e vários anos passados no período de II grande guerra mundial na Holanda, o meu aplauso por isso. Mas o que me supreendeu mesmo foi o papel desempenhado pela Holanda e pelos holandeses nesse conflito no que se refere aos judeus, um papel extremamente odioso da maior parte do povo holandês e sobretudo do fechar de olhos das autoridades que permitiram uma hecatombe na população judaica verdadeiramente biblíca. Por outro lado, e talvez por isso, merece destaque este livro, porque mostra, através da história de uma menina, hoje idosa, judia que, com a ausência e morte dos pais, em Auswhitzh, foi acolhida pelos antepassados familiares do autor do livro, à semelhança de outras famílias de acolhimento. O livro é fundamentalmente um hino ao sofrimento, crescimento doloroso e cheio de facetas heróicas, umas, horríveis, outras, que nos fazem embrenhar e aprender muito sobre o relacionamento humano.

José Eduardo Agualusa com o seu livro, As Mulheres do meu Pai, leva-nos a ler uma história em retalhos salteada no tempo, local e narrador, mas com um fio condutor sempre presente, a procura do passado, das origens dos seus genes, de onde vim e de quem vim. Personagens encantadoras como Laurentina, o seu suposto pai, Faustino, e as suas inúmeras conquistas. O encontro com a verdade que choca mas clarifica. Sempre presente ao longo destas belas páginas, o humor, a linguagem que flui como se de um ribeiro se tratasse, e uma inesquecível viagem por África, seus costumes, suas paisagens, suas gentes, sua pobreza...apaixonante. Também viajamos nos sentimentos díspares mas sinceros.

Pensamento

Viver é a coisa mais rara do mundo, a maioria das pessoas apenas existe.

Óscar Wilde